- ... Sinto muito, muito mesmo...
Aparentemente e de maneira apressada essa frase pode ser
interpretada como uma desculpa para algo feito de errado ou até mesmo o término
de um relacionamento. Mas calma, incauto leitor, ela foi dita por um alguém
extremamente tomado por seus sentimentos.
O contexto faz toda a diferença.
Dias anteriores, ou melhor dizendo, meses. Wélcio ainda
tentava se recuperar de uma tremenda dor de cotovelo ao ver que sua namorada o
trocara por um bonitão da internet.
Tantos cuidados em forma de carinho e entregas plenas para
terminar com um mero scrap. Nem e-mail... Foi scrap mesmo, público e via Orkut.
A sorte é que a maioria de seus contatos já não mais utilizava o Orkut como
principal rede social.
De qualquer forma ficava o gostinho amargo de mais um
relacionamento indo para o espaço: nesse caso cibernético mesmo. Amargou bem
umas horas de dor. Já havia se predeterminado a não deixar doer mais que isso.
Ficava então a raiva e o desapontamento típico de quem
repensa o que poderia ter feito para isso não ter acontecido novamente.
Resolveu recomeçar embora tudo ainda estivesse estilhaçado dentro
de si. No entanto, homem que é homem não demonstra e já sai logo à nova caça
para não deixar sentir.
E lá foi ele como sempre nas salas de bate papo. Dessa vez
seria mais sacana, mentiria um pouco mais e se imporia em ideias e
posicionamentos em vez de concordar absurdamente com tudo o que o outro lado
lhe dissesse.
Partiu logo para um Nick que havia acabado de entrar:
M.I.procura. Iniciaram um diálogo e ele foi perguntando o que era M.I.procura.
Obteve a resposta: Mulher inteligente procura...
- Hum, procura o quê? Perguntou sagazmente.
-Procuro H.R. (Homem Rico) - com direito a risos no final.
- Pois então o encontrou, mas logo de cara vou dizendo que para
arrancar dinheiro de mim só sendo muito, mas muito inteligente mesmo... mais
risos.
Meio que em tom de brincadeiras, a conversa foi tomando um
rumo interessante. Obviamente regada a certos ilusionismos: aparência física,
profissão, cidades etc...
Muitos dias de conversa sempre com horas marcadas. Já
estavam no pé de trocar telefones, pois o ouvir seria muito mais interessante.
Ele apreciou a voz suave dela e ela a voz um tanto radiofônica dele.
Marcaram encontro após umas três ou quatro conversas sempre
longas e românticas. Por sorte moravam em cidades próximas. Ansiosos estavam
para ver se a mesma química rolaria no pessoalmente.
O meio de encontro seria a troca de detalhes nas roupas e o
número de celular como guia. Ela chegou primeiro contrariando as expectativas de
que mulher sempre se atrasa.
O noivo parecia ele que com um trânsito horrível, já havia
ligado dizendo estar a caminho. Quando por fim ele chegou ao local, ligou.
Ambos continuaram a se falar até que se depararam um em frente ao outro. Grande
surpresa os tomou:
- Bárbara, é você? Só a reconheceu pela voz.
-Wélcio!
- Sim sou eu. Mas que negócio é esse? Achei que estaria
perante uma loira alta, e...
- ..E eu perante um moreno de 1,90...
Ambos não podiam mesmo dizer nada a respeito das mentiras.
Ele, antes cheio de razão baixara a guarda, afinal não era nenhum rico Szafir e
ela nenhuma Xuxa milionária.
Saíram, conversaram e muitos pratos limpos foram lavados nas
explicações do motivo que os levou a mentir. Pareciam mesmo se combinar mais do
que nas mentiras antes ditas.
Apesar da decepção nas fisionomias algo de carinho surgiu em
meio à maré provisória de raiva momentânea.
Não vou dizer que hoje eles estão casados, mas continuam se
conhecendo e um tanto mais apaixonados do que no primeiro encontro. Parece que tudo
vai dar certo.
Andreia Cunha